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Ara de Trajano

Este monólito granitíco lavrado é sem sombra de dúvida o vestígio mais evidente da romanização na Vila das Caldas das Taipas. Trata-se de uma menção honorífica, datada de 103 D.C., em honra do imperador romano Trajano Augusto. Muito provavelmente poderá estar relacionada com a divulgação do chamado Culto Imperial por todo o noroeste peninsular. O Culto Imperial na Roma Pagã era destinado à veneração do Genius pessoal do Imperador, digamos que uma entidade sobrenatural que o protegia, que encontra mais ao menos um paralelo no cristianismo com o conceito de “Anjo da Guarda. O Culto Imperial era também um meio importante de demonstração de fidelidade a Roma, bem como uma demonstração da aceitação total do modo de vida e cultura romana, pelo que com a progressão da romanização as populações locais faziam questão de se associar para não serem apartadas da sociedade. No entanto, apesar disto, não necessariamente seria um local de culto nem tão pouco um santuário romano. A presença de uma epigrafe com esta monumentalidade, aliado ao facto de durante a década de 1840 se ter descoberto um balneário romano de porporções médias, pode levantar uma séria hipótese da existência de um Vicus romano na Vila. Os Vici eram povoações romanas desprovidas de personalidade jurídica e administrativa, estando sempre dependentes administrativamente de um Municipium, similar nos dias de hoje à relação entre uma freguesia e um município, no entanto eram sempre prova tácita que a romanização estava a produzir efeitos além de operarem como agentes da romanização do território. Apesar de não haver até à data registos de relevo que sustentem uma existência palpável de um Vicus nas Caldas das Taipas, há efetivamente uma série de achados e locais arqueológicos romanos nas freguesias vizinhas que podem sustentar uma certa centralidade das Caldas das Taipas no período romano podendo-se citar bem pelo traçado da via romana, que ligava Bracara Augusta às regiões mineiras do interior, e a existência de diversos achados nas freguesias vizinhas, mais concretamente em Sande São Martinho e Barco com fornos cerâmicos para a produção de telha romana tegula.

Observando mais atentamente as inscrições epigráficas podemos observar o seguinte:

IMP(ERATOR) CAES(AR) NERVA/ TRAIANVS AVG(VSTVS), GER(MANICVS), DAC(ICVS)/ POT(IFEX) MAX(IMVS), TRIB(VNITIA) POT(ESTATE) VII/ IMP(ERATOR) IIII CO(N)S(UL) V, P(ATER) P(ATRIAE)

Não pouco diferente dos Monarcas de hoje em dia, aparece mencionado o nome do imperador em questão e os seus títulos pessoais: O Germânico, cognome militar ganho nos tempos de general em virtude das diversas vitórias contra os povos germânicos; O Dácio, outro cognome militar ganho por ter promovido a anexação da Dácia (actual Roménia) como província do Império; Pontífice Máximo, desde do Imperador Augusto todos os Imperadores Romanos se tornaram no principal sacerdote do Império Romano; Poder Tribunício ganho por sete vezes, está a assumir que o Imperador foi aclamado sete vezes Tribuno do Plebe, cargo muito antigo e poderoso que remonta aos tempos da República, mas que desde o Imperador Augusto passou para a figura imperial; Imperador por quatro acalmações, o título imperador no mundo romano tinha uma conotação militar, quem o detivesse significava que foi aclamado unanimemente pelas suas tropas de Imperador, conferindo um prestígio sem limites bem como um poder sem limites no meio militar. Progressivamente desde o Imperador Augusto passou a ser apanágio apenas da figura imperial; Cônsul nomeado quatro vezes, originalmente Cônsul no periodo Republicano era a mais alta magistratura política, depois do Imperdador Augusto foi progressivamente convertendo-se num título, no entanto o número de vezes que se era nomeado Cônsul indicava o quão brilante e popular era a carreira política de uma pessoa; Pai da Pátria, curioso título que remonta aos finais do período Repúblicano, era conferido normalmente a alguém extremamente popular, já no período imperial era normalmente outorgado pelo Senado a Imperadores com um reinado já longo, bastante populares e bastante prósperos.

A monumentalidade da Ara de Trajano nunca passou despercebida aos olhos das gerações futuras, aparecendo sempre referenciada ao longo dos tempos, contudo em 1818, com o crescente interesse por parte da Câmara Municipal de Guimarães na exploração das nascentes das águas termais para fins terapêuticos, acabou por se fazer uma “recuperação”, um tanto “pouco ortodoxa” face aos padrões atuais, mas no ver do executivo municipal da altura, foi da mais alta importância do ponto de vista da recuperação da memória, e até de se associarem à memória quase mítica de Trajano. Acabaria a edilidade vimaranense por dar ordens para se reavivar as letras da epígrafe romana, e embaixo lavraram um texto interpretativo, para que o visitante do local não saísse intrigado sobre o significado das palavras do tempo dos romanos:

Aquella obra mandou fazer o / Imperador Trajano Augusto, filho de Cesar / Nerva, vencedor dos Alemaens e Dacos, pontí/fice máximo, sendo tribuno de povo a sé/tima vez, imperador e consul a quarta / e tendo titulo de pai da Pátria./1818//

No entanto podemos assumir deste “texto informativo” que foi uma interpretação um tanto ao gosto do redator, visto que a Ara de Trajano não foi de forma alguma mandada lavrar por Trajano, apesar de não mencionar o nome do dedicante, podemos assumir que foram os habitantes locais que a mandaram lavrar, um pouco como aconteceria pelo império fora então.

Na outra face do monolito, uma inscrição nova, também mandada lavrar pela edilidade vimaranense oitocentista:

Para alívio da humanidade e remédio de / rebeldes doenças herpéticas forão renovados / e augmentados estes banhos thermaes por or/dem do senado da Câmara da villa de Guim.es,/ sendo seu presidente o Doutor Juiz de fora Estevão Ferreira da Cruz, e Vereadores Franco Pinto de Carvalho Bezerra = An.to do Couto Ribeiro = / secretario Jose Duarte=Procurador/ Manoel Luis de Souza: Em testemunho do=/ seu zelo e aetividade (sic), p.a emulação dos vin/douros elles mesmo (sic) mandarão gravar esta ins/cripção que desfia e vencerá o tempo e a E/ternidade em 1818//.

Esta epigrafe oitocentista demonstra logo, de maneira inequívoca, a utilização medicinal das águas das taipas na altura: doenças herpéticas, que em linguagem clínica de então estavam a referir-se a doenças relacionadas com a pele, sendo a principal o flagelo da sífilis.

Por fim podemos assumir esta epígrafe oitocentista de importância crucial para a Vila das Caldas das Taipas, pois menciona e celebra inequivocamente o inicio de um aproveitamento digno das águas termais, com a construção dos primeiros equipamentos: Banhos Velhos e Fonte de D. João, catapultando a Vila das Caldas das Taipas para a constelação das Estâncias Termais, iniciando um novo ciclo na terra, atribuindo definitivamente à terra uma faceta de Estância Termal diferenciando-a das demais terras portuguesas.

 

Por: Nuno Alves Pinto

 

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